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Manhãs mais Felizes!

A qualquer português que ganhe o salário médio* e esteja à procura de uma casa para arrendar em Lisboa, basta uma breve vista de olhos pelos principais sites imobiliários para perder o sono.

Segundo o site Idealista, o preço de arrendamento estava, em março de 2025, nos 22€/m2. Já no Portal do INE, o valor mediano das rendas de novos contratos no município de Lisboa, situava-se, no 4º trimestre de 2024, nos 16.04€/m2. Ora, façamos um exercício, talvez demasiado simplista, mas que nos ajuda a ter uma melhor ideia dos valores: para uma casa de 100 m2, usando a primeira referência, obtemos uma renda mensal de 2200 euros, usando a segunda, obtemos uma renda mensal de 1604 euros.

Na Carta Municipal de Habitação de Lisboa (pág.76), podemos ver espelhada a evolução da dificuldade de acesso ao mercado. Segundo dados apurados no Sistema de Informação Residencial da Confidencial Imobiliário, entre 2011 e 2022 as rendas contratadas em novos contratos de arrendamento cresceram 64%. No mesmo período, segundo o INE, a remuneração do trabalho aumentou, em média, 22% na Área Metropolitana de Lisboa — significativamente inferior ao aumento das rendas

Posto isto, poderíamos assumir que as rendas em Lisboa são, em geral, altas – mas não é assim. Um estudo recente da Nova SBE**, no contexto do programa Mais Habitação, que teve como um dos seus enfoques, a política de limitações à subida de rendas, refere que, 30.5% dos contratos de arrendamento em Lisboa estão abaixo dos 200 euros, e que, quase metade (49,21%), não ultrapassam os 400 euros (estimativas com base nos dados dos Censos de 2021).

As rendas baixas em Lisboa explicam-se, em grande parte, pela existência dos contratos vinculísticos: contratos antigos, sem prazo definido, assinados antes ou durante o Regime do Arrendamento Urbano (RAU). No que diz respeito à habitação, esses contratos deixaram de ser impostos por lei em 1990. Embora, mais tarde tenham sido abrangidos pelo regime transitório da Lei nº6/2006 (NRAU), que prevê aumentos graduais, essa transição está suspensa desde 2012 para quem cumpra certas condições – uma delas é ter rendimentos anuais abaixo de 53.200 euros. Dado que a maioria dos portugueses se enquadra nesse critério, é de esperar que a maioria desses contratos continue a vigorar sem grandes alterações. 

Atualmente, para novos contratos, o valor da renda inicial é livremente negociado entre as partes, podendo estas convencionar uma forma específica de atualização. Nos contratos que nada estipulam em relação a aumentos, aplica-se ocoeficiente de atualização anual das rendas que tem por base o Índice de Preços no Consumidor (IPC), apurado pelo INE. A não atualização prejudica a recuperação dos aumentos não feitos, podendo, todavia, os coeficientes ser aplicados em anos posteriores, desde que não tenham passado mais de três anos sobre a data em que teria sido inicialmente possível a sua aplicação. Em 2023 houve uma exceção: o governo impôs um limite máximo de aumento de 2%.

O controlo de rendas que, a curto prazo, pode parecer positivo — ao tornar a habitação mais acessível e proteger o inquilino – revela-se, no longo prazo, contraproducente. Ao desincentivar os proprietários a colocarem imóveis no mercado, reduz a oferta e pressiona os preços em alta. Favorece ainda a proliferação dos contratos informais, que deixam o inquilino desprotegido e resultam em perda de receita fiscal para o Estado. 

Se olharmos para o panorama atual, no que ao arrendamento diz respeito, coexistem dois mundos distintos: rendas baixas em contratos antigos e preços significativamente mais elevados para quem, hoje, procura casa para arrendar.

Para aqueles que optam, ou se veem forçados, a recorrer, atualmente, ao arrendamento — seja por razões financeiras, profissionais, familiares ou outras — e, sobretudo, para os mais jovens, que querem sair de casa dos pais, mas que, em geral, enfrentam rendimentos mais baixos e empregos mais instáveis, encontrar uma casa pode ser um autêntico pesadelo. 

Retomando o estudo da Nova SBE**, a conclusão é clara: a política de controlo de rendas é ineficaz e intergeracionalmente injusta, sendo recomendada, em conjunto com outras medidas, a sua progressiva redução ou até mesmo eliminação. 

Libertar o mercado de arrendamento mostra-se como a melhor solução a longo prazo, cabendo ao Estado — e não ao senhorio — apoiar quem precisa. Naturalmente, não é um processo que se resolva de um dia para o outro, sendo o desafio particularmente exigente no que diz respeito ao descongelamento das rendas mais antigos. Mas é precisamente aí que o Estado deve atuar, assegurando políticas sociais de habitação. 

O mercado de arrendamento em Lisboa é pouco dinâmico e precisa urgentemente de mais oferta. Se, num espírito mais liberal – que privilegia o incentivo em vez da imposição – forem implementadas políticas que estimulem a oferta, é natural esperar que mais casas entrem no mercado e que os preços se tornem mais acessíveis. 

Para fazer face ao contexto atual, a implementação de uma política fiscal mais amigável torna-se premente. Reduzir a carga fiscal sobre as rendas tornaria o mercado de arrendamento mais atrativo, podendo contribuir para baixar os preços e, em conjunto com outras medidas, trazer imóveis do mercado informal para o formal. Esta medida tem ainda a vantagem de ser relativamente simples e rápida de implementar, com efeitos quase imediatos. Um enquadramento fiscal favorável pode também ser determinante para o investimento em projetos de construção para arrendamento de longa duração — built to rent.

Algo que não é imediato, mas é absolutamente fundamental, é restabelecer a confiança de investidores e proprietários: se estes se sentirem seguros, mais facilmente irão investir e/ou colocar as suas casas no mercado de arrendamento. Para isso, precisamos de estabilidade fiscal e legislativa; de uma justiça mais célere e eficiente; e de garantir que o direito à propriedade privada não seja posto em causa. Foi precisamente neste último ponto que o programa Mais Habitação gerou mais controvérsia, devido à proposta de arrendamento compulsivo de imóveis devolutos.

Por fim, para evitar que senhorios e inquilinos passem noites em claro com toda legislação dispersa e normas, a proposta de consolidação de todas as regras do arrendamento num Código Único, tal como descrito no programa da Iniciativa Liberal, faz todo o sentido. Da mesma forma, a unificação dos apoios à renda, com critérios claros e transparentes,facilitaria o acesso a quem realmente precisa.

Noites tranquilas pedem menos controlo de preços, menos impostos, mais estabilidade fiscal e legal e uma justiça mais rápida, eficiente e previsível.

Venham de lá mais casas e manhãs mais felizes!


* 1602 euros de remuneração bruta total mensal média, segundo dados do INE de 2024 (1739 euros em Lisboa)

** https://economicsforpolicy.novasbe.pt/publications/avaliacao-intergeracional-politicas/mais-habitacao/

Manhãs mais Felizes!
Sofia Almeida Garrett 30 de abril de 2025
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