A génese dos primeiros partidos políticos portugueses e a construção do primeiro sistema partidário em Portugal não se origina imediatamente em 1820, ainda que a Revolução Liberal tenha proporcionado certas condições necessárias à formação de partidos políticos: mais vasta opinião pública politizada, o crescimento da imprensa periódica, as primeiras eleições para as Cortes Constituintes e os primeiros debates parlamentares, onde se fazia sentir a influência dos clubes e sociedades patrióticas recém-criadas.
A eleição dos primeiros deputados em Portugal aconteceu aquando da convocação das eleições para a formação das «Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa» em Outubro de 1820, mas a eleição era nominal e não por lista partidária.
Em 1823, a reação contrarrevolucionária conhecida como Vila-Francada, pôs fim à primeira tentativa de imposição de um regime liberal no país. Os parlamentares cederam, o Rei declarou ser necessário modificar a Constituição e as Cortes foram dissolvidas.
Em 1826 nova tentativa, desta feita liderada pelo Príncipe herdeiro e Imperador do Brasil, D. Pedro, que outorga uma Carta Constitucional numa tentativa de reconciliação entre absolutistas e liberais, permitindo que ambos tivessem acesso ao governo, consagrando simultaneamente quatro poderes: o poder legislativo, dividido em duas Câmaras (alta e baixa), o poder judicial entregue aos tribunais, o poder executivo aos ministros do governo e o poder moderador reservado ao monarca.
Esta iniciativa de reconciliação nacional é, no entanto, lograda, dois anos depois, com a tomada do poder pelos absolutistas e a entronização de D. Miguel, que perseguiram e obrigaram muitos liberais ao exílio. Aliás a primeira experiência liberal decorre num ambiente de «critica severa aos partidos e às fações, sistematicamente associados a atitudes contrárias ao bem público» (Ramos, Rui, «Para uma história do conceito de partido em Portugal no sec. XIX» 2013).
Foram 15 anos de violência política, perseguições e exílios que apenas o fim da guerra civil e a vitória definitiva do liberalismo em 1834, permitiu ao país atingir um outro patamar de desenvolvimento político notoriamente mais elevado que em 1820.
Para essa evolução contribuiu também a aprendizagem dos liberais nas várias viragens ocorridas em 1830 nomeadamente em Inglaterra, França e Bélgica, onde mais se concentraram os exilados, e que marcaram a primeira vaga de democratização disseminada a partir de então a outros países.
Também a «Nação» que, em 1823 deixou cair o sistema representativo sem disparar um tiro, apareceu, nas palavras de Passos Manuel «mais educada, no amor da liberdade e no horror da tirania após os exílios, os cárceres e os patíbulos» do governo miguelista.
Esse conjunto de perseguições, exílios e guerra civil formou o contexto que proporcionou o aparecimento dos primeiros partidos políticos.
Foi nesse ambiente que um autor da época — Lopes Praça — estabelece a origem do Partido Regenerador no grupo de homens a quem D. Pedro confiou os seus governos, desde os tempos dos Açores, que se honravam com o nome de «Amigos de D. Pedro» e situou a origem do Partido Histórico no grupo de homens que, desde o exílio, colocaram reservas a D. Pedro e se assumiram na oposição.
Contudo, somente após as eleições realizadas em 1834 e com o progresso dos trabalhos parlamentares essas correntes se vão materializando, através de uma prática política regular e o ajustamento de alguns posicionamentos, dando origem em grande medida à divisão direita-esquerda (mais tarde traduzida na divisão conservadores-progressistas) que viriam a caracterizar o futuro sistema partidário.
O início da construção de um sistema partidário em Portugal tem, como explica a ciência política, origem na própria atividade parlamentar. Os primeiros grupos de deputados não formavam ainda partidos, mas foi através do parlamento e dos seus chefes e jornais que foram ganhando consistência e organização revelando, em debates e votações, uma tendência bipartidarizante.
As grandes questões da divisão entre direita e esquerda eram constitucionais e eleitorais. De acordo com o critério que distingue direita e esquerda com base na diferença de atitude em relação à ideia de igualdade (Bobbio, Norberto, «Direita e esquerda», 1994), os liberais que preferiam a Carta de 1826, doada pelo monarca e prevendo eleições indiretas e o voto restrito eram de direita; enquanto os liberais que preferiam a Constituição de origem parlamentar e previam eleições diretas eram de esquerda.
Não que os liberais de esquerda desejassem a imediata revogação da Carta, pela qual tinham lutado e haviam sido perseguidos, mas mantinham a esperança de a reformar no Parlamento num sentido democrático e nos termos previstos pela própria Carta.
No entanto a realidade da luta política ia além desta divisão tradicional e cruzava-se com uma outra (moderados-extremistas) gerando vários pólos que iam da extrema-direita à extrema-esquerda.
No contexto de fragilidade financeira e social que se seguiu à guerra civil, com muitas expetativas frustradas, agravada pela morte prematura de D. Pedro, o espaço para o surgimento de movimentos extremistas ganhou terreno.
A Revolução de setembro de 1836, que obrigou a Rainha D. Maria II a jurar a Constituição de 1822 e, a posterior restauração da Carta em 1842, são a materialização dessa tensão mas também impuseram o dever de compromisso necessário entre os primeiros liberais de encontrar um espaço moderado de convivo constitucional que apenas encontrará terreno sólido após mais dois confrontos militares – Maria da Fonte e Patuleia, o fim do «cabralismo» e o inicio, a partir de 1851, do que conhecemos hoje como o período da Regeneração que durante quatro décadas foi construindo, até se consolidar, o sistema partidário.
Ao longo do séc. XIX e até ao ocaso da monarquia parlamentar em 1910 o sistema partidário português caracteriza-se pelo Rotativismo e gravita ao redor de dois partidos: o Regenerador, herdeiro da Carta, com uma dissidência purista — o cabralismo — e com outra cisão, no final do século, que deu origem ao Partido Regenerador Liberal (de João Franco); e o Progressista Histórico (mais tarde apenas Progressista), herdeiro dos vintistas e com a sua expressão radical nos setembristas tornados moderados a partir de 1852.