A higiene das nossas cidades é uma parte do problema mais geral da gestão de resíduos e não pode ser correcta e completamente resolvido se não enquadrado como tal. Porém, mesmo consideradas isoladamente, a recolha do lixo doméstico e limpeza dos espaços públicos estão longe de ser temas resolvidos.
Em Portugal temos um sector dominado por concessões exclusivas, monopólios públicos e uma quase total ausência de mecanismos de mercado e de concorrência, que impede a criatividade e o engenho da sociedade de se aplicar a este problema.
A situação na capital é pior ainda: há uma fragmentação das responsabilidades entre câmara e juntas de freguesia que resulta num passa-culpas junto à fronteira. Adicionalmente, a diminuta escala das freguesias – essa originalidade portuguesa – não permite uma eficiente utilização dos recursos afectos à limpeza, e potencia os riscos inerentes à contratação pública.
A necessidade de introdução da recolha separada de orgânicos nas zonas em que ainda não existe, conjugada com a necessidade de a prazo concretizar o princípio do poluidor-pagador como desincentivo à produção de resíduos domésticos, pode servir de catalisador para considerarmos transitar do modelo da recolha porta-a-porta (onde este ainda existe) para o de deposição colectiva. Este aumento da unidade mínima de recolha permitirá uma consolidação do equipamento e das operações, geradora de economias.
Porém, como em tantos outros aspectos das funções do Estado em Portugal, temos de primeiro colocar o básico a funcionar. Em Lisboa isso significa primeiramente terminar os Contratos de Delegação de Competências de modo a agregar a competência e os recursos rumo a uma maior eficácia e eficiência.
A concentração operacional da recolha também não é isenta de riscos. A captura por organizações sindicais guiadas mais por obediência política do que pelos legítimos interesses dos seus associados coloca os munícipes numa situação de vulnerabilidade e pode obstaculizar fatalmente esforços de modernização da autarquia. Similarmente, uma empresarialização dos organismos afectos à recolha de lixo (na estrita manutenção dos direitos laborais dos seus trabalhadores) que não venha acompanhada duma exposição à concorrência, arriscará gorar a adopção de processos e aquisição de valências que efectivamente melhorem sustentadamente o seu desempenho.
Esta concorrência pode materializar-se, como acontece em várias cidades europeias, através do zonamento da recolha e da introdução de mecanismos concursais para a admissão de concorrentes e para a sua alocação a zonas, bem como do estabelecimento de métricas de desempenho que os guiem.
Há problemas difíceis de resolver. A higiene urbana não é um deles. A governança dos municípios portugueses talvez seja.