A recente desagregação de Uniões de Freguesia procurou agradar e favorecer as clientelas políticas locais promovendo a sua fidelidade às máquinas partidárias através da disponibilização de mais eleitos, mais cargos administrativos e melhores rendimentos pessoais suportados pelo erário público.
A Lei 11-A/2013 de 24 janeiro inspirada pela Troika juntou, e até acabou, com algumas Freguesias, procurando reduzir a despesa pública, mas a Lei 39/2021 de 24 de junho abriu de novo as portas à proliferação de freguesias pela desagregação de Juntas constituídas e pela reposição de algumas freguesias já extintas. Esse processo, que tem sido acarinhado pela ANAFRE – Associação Nacional das Freguesias e pelos lóbis locais dos partidos, mereceu a pronta adesão da maior parte das formações políticas nacionais. Com a Lei 25-A/2025 de 13 de Março esses desejos foram atendidos, tendo os superiores interesses económicos e financeiros do País ficado subalternizados às ambições das clientelas partidárias locais.
O PS, PSD, BE, PCP, LIVRE, PAN e CDS votaram a favor dessa Lei e a Iniciativa Liberal foi a única formação política que teve a coragem política de votar contra esse retrocesso administrativo e financeiro. A IL votou novamente contra essa lei depois do veto do Presidente da República e da reapreciação parlamentar da mesma. Posteriormente a IL também solicitou a apreciação pelo Tribunal Constitucional dessa lei onde consta a lista das desagregações e reposições previstas, pois considerou estar em causa a violação do nº1 do artigoº 15 da Lei 39/2021 — “não é permitida a criação de freguesias durante o período de 6 meses imediatamente antecedente à data marcada de quaisquer eleições a nível nacional”. Nem mesmo este claro e inequívoco texto demoveu a Srª Provedora de Justiça de recusar pretensão da Iniciativa Liberal. A fúria de arranjar mais lugares e rendimentos para as clientelas partidárias locais foi demasiadamente forte e inviabilizou qualquer ponderação sobre a sua oportunidade legal, justificação política e previsíveis resultados financeiros da sua implementação.
Mas será que na Administração Territorial do Estado estamos desalinhados com a Europa Comunitária?
Do Flash nº1 de 2025 do Gabinete de Estudos Económicos, Empresariais e de Políticas Públicas da Faculdade de Economia da Universidade do Porto retirámos o seguinte:
| Número de Unidades de Administração Local (UAL) | Média de habitantes por Unidade de Administração Local (UAL) |
Lei 11-A/2013 de 24 Janeiro | 3092 | 3345 |
Lei 25-A/2025 de 13 Março | 3259 | 3174 |
Diferença | +167 | -171 |
* UAL, em Portugal, representa freguesias.
Comparação da média de habitantes por Unidade de Administração Local (UAL)
🇵🇹 Portugal | 3174 |
🇪🇺 Média Comunitária (27) | 16545 |
🇩🇰 Dinamarca | 60215 |
🇳🇱 Países-Baixos | 52465 |
Deste quadro conclui-se que o aumento do número de freguesias, com a correlativa redução do número de habitantes por UAL, irá anular as economias de escala conseguidas anteriormente. Se compararmos o número médio de habitantes por UAL em Portugal com igual rácio da CE verificamos estar bastante abaixo da média comunitária. E se ainda compararmos esse rácio com países cuja qualidade de gestão local é reconhecidamente muito cuidadosa e eficiente, verificamos que um maior número de UAL não significa melhor desempenho de gestão. Frequentemente tornou-se num meio de criar artificialmente postos de trabalho redundantes e/ou desnecessários.
Curiosamente, esta preocupação pelo aumento do número de UAL´s não tem correspondência com os montantes financeiros que lhes são atribuídos. Também de acordo com o estudo acima citado o peso da Despesa Pública Local e Regional no PIB é em Portugal de 6,5% e na Comunidade Europeia de 15,4 % ou seja, mais do dobro, o que reflete bem o nosso inconsistente e persistente centralismo e a teimosia macrocéfala, sobretudo de lisboa.
É também sintomático que muitos daqueles que insistem na criação apressada, irrefletida e meramente ideológica de mais freguesias, também insistam num rápido processo de regionalização que adicione um novo nível decisório e burocrático aos já existentes. Quer a regionalização, quer a proliferação de freguesias estimulam uma despesa pública acrescida, um aumento da burocracia para pessoas e instituições, um afastamento do cidadão e/ou fenómenos de “amiguismo pessoal”, uma maior discricionariedade e lentidão de decisões, uma tendência para despesas de fachada e uma especial sensibilidade ao enviesamento político-partidário. Por serem unidades administrativas demasiadamente grandes e opacas, ou demasiadamente pequenas e atomizadas, vão exigir elevados custos e consideráveis dificuldades para escrutinar com isenção o seu desempenho orgânico e funcional.
Qualquer descentralização baseada nos municípios com raízes históricas em Portugal exige economias de escala para ser sustentável. Caso contrário, os seus destinatários, apesar de eventualmente usufruírem das vantagens da proximidade, da sensibilidade local, da menor burocracia e da maior rapidez de decisão, não devem ser obrigados a suportar custos desproporcionais aos benefícios conseguidos. Uma municipalização bem dimensionada, se for devidamente potenciada pela transferência efetiva de serviços e dotada de receitas próprias, poderá proporcionar aos cidadãos palpáveis benefícios cuja justificação será avaliada nas urnas pelos eleitores que financiaram as despesas/investimentos realizadas pelos eleitos locais.
Tem-se debatido recorrentemente a redução das despesas públicas para aliviar o bolso dos contribuintes, mas esse corte de impostos torna-se insustentável se desequilibrar o orçamento de estado pois ter-se-á de recorrer ao aumento da dívida pública. Invariável e rapidamente surge a pergunta sacramental: ONDE CORTAR? Não há uma resposta milagrosa e universal, mas várias soluções poderão ajudar a resolver esta difícil equação. No caso da desagregação e reposição de freguesias, só conheço um estudo da Iniciativa Liberal que fala num custo de 20/30 milhões euros anuais e só em remunerações de 9,45 milhões. Não me recordo de qualquer outro estudo que tenha abordado os gastos suplementares resultantes da aplicação dessa lei, o que só mostra a inconsciência político-económica e imprudência legislativa com que essas decisões são tomadas. Sabemos que a Democracia tem custos de toda a ordem, mas se eles forem desproporcionados, os cidadãos começam a interrogar-se sobre os seus reais benefícios, gerando-se um crescente mal-estar social que corrói o próprio regime, debilita a democracia e abre o caminho a soluções mais musculadas e autoritárias.