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Os socialistas portugueses e o medo da mudança na Argentina

Opinião de Luís Nobre Lucas no Observador

É Milei um liberal? Infelizmente não será. Um liberal não proporia revogar a interrupção voluntária da gravidez nem o direito à eutanásia. Mas é pior ou melhor do que os candidatos seus adversários?



Há muitos anos que as eleições na Argentina não despertavam tanto interesse deste lado do Atlântico. O pânico instalou-se entre os socialistas portugueses com a vitória de Javier Milei no passado dia 19 de novembro. O anarco-capitalista-libertário-ultra-liberal-anti-sistema-extrema-direita-populista-bolsonarista-trumpista foi eleito Presidente da Argentina. Os adjetivos não foram suficientes para o derrotar. Importa notar que o seu adversário, o socialista Sergio Massa, foi apresentado pela comunicação social portuguesa como o “candidato centrista”.

Muitos se apressaram a colar Milei às propostas da Iniciativa Liberal em Portugal. É a conhecida “falácia do espantalho”, em que se distorcem os argumentos de um adversário para parecer que se conseguiu refutá-los, quando de outra forma não se é capaz de o fazer. Usaram – e abusaram – para isso de uma publicação nas redes sociais em que o liberal Tiago Mayan Gonçalves felicita e pede responsabilidade ao recém-eleito. As mesmas felicitações que foram aliás transmitidas pelos insuspeitos Biden, Lula e Ursula von der Leyen. Um mar de tinta foi despejado pelos socialistas portugueses por cima das declarações, não dos chefes de Estado ou da presidente da Comissão Europeia, mas sim do membro da IL e presidente de junta. Bizarro. Ou estratégico?

Sérgio Sousa Pinto, no seu espaço de comentário na CNN, disse que ficou “estático” quando ouviu Mayan responder em entrevista ao programa Direto ao Assunto da rádio Observador que poderia ter votado Milei se fosse argentino. A declaração de Sérgio Sousa Pinto é falsa. A pergunta não foi sequer feita pela entrevistadora. E ainda bem que não foi. Porque não é possível a ninguém dizer em quem votaria na Argentina, estando confortavelmente sentado num sofá do primeiro mundo. Só se pode responder a essa pergunta experimentando o que é viver no país. Esse país de onde se foge para o Brasil em busca de melhores condições de vida. Para qualquer um de nós saber em quem votaria, teria de ir viver para o país em que se sobrevive com um ordenado médio de menos de 400 euros e onde os preços sobem todas as semanas. Esse país onde o Banco Central é uma impressora gigantesca que mais não tem feito do que extorquir dois terços do património de cada argentino por ano, todos os anos, há quarenta anos.

Mas então, motosserras e cães falantes à parte, que propostas foram estas que indignaram tanto os socialistas portugueses?

Terá Milei prometido 140% de inflação ao ano? Não, foram os camaradas socialistas argentinos de Sérgio Sousa Pinto que concretizaram essa medida, em outubro deste ano. Terá Milei prometido uma taxa acumulada de inflação da ordem de grandeza dos biliões? Não, foram os mesmos socialistas que a concretizaram nos últimos quarenta anos. 24 anos de défice em 30? 22 pedidos de socorro ao Fundo Monetário Internacional? Maior credor do FMI entre todos os países do mundo? Mais de 40% de pobres depois de transferências sociais? A resposta é sempre a mesma.

Mas então o que incomodou tanto os socialistas portugueses? Os mesmos a quem nunca se ouviu uma palavra de preocupação pelas condições de subdesenvolvimento e de pobreza em que vivem os argentinos há décadas?

A principal promessa que Milei faz é a de “transformar a Argentina numa potência económica mundial, através de três ideias base: um governo limitado; o respeito pela propriedade privada; e o comércio livre”. Mas também “promover o mercado de arrendamento, prevendo contratos em que as condições fiquem definidas à partida”. “Baixar impostos sobre os processos produtivos e a exportação de bens e de serviços”. “Eliminar direitos de exportação”. “Atribuir concessões para a exploração de recursos naturais”. “Promover a liberdade de filiação sindical”. “Reduzir os impostos sobre os trabalhadores”. “Reduzir os gastos em saúde sem com isso comprometer a qualidade dos serviços prestados”. “Permitir a gestão privada de infraestruturas públicas de saúde”. “Implementar o direito de opção entre público e privado na educação, desde que ao mesmo custo para o Estado”. “Detetar duplicação de funções e de tarefas na estrutura orgânica funcional dos ministérios”.

Caros socialistas, leiam antes de espumar. Está tudo aqui.

As mesmas promessas foram feitas ao longo da história por diversos líderes europeus com resultados bastante satisfatórios. E é isto que assusta os socialistas portugueses. Que fique demonstrado pela enésima vez que o socialismo não funciona. Que tenha falhado mais uma vez. Que tenha falhado tantas vezes quantas foi tentado, sob diversas formas, em diferentes contextos e em todas as geografias.

Para esclarecer, é Milei um liberal? Infelizmente não será. Um liberal não proporia revogar a interrupção voluntária da gravidez nem o direito à eutanásia.

Mas é Milei pior ou melhor do que os candidatos seus adversários? A esta pergunta os argentinos responderam no passado dia 19 de novembro. Cabe agora a todos os liberais do mundo respeitar essa decisão e desejar que possa melhorar as condições de vida dos argentinos. Já agora, a todos os democratas também.


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Os socialistas portugueses e o medo da mudança na Argentina
Luís Nobre Lucas 12 de dezembro de 2023
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