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O imposto encapotado da habitação

Opinião de Gil Serras Pereira no Observador ​

Com tantas taxas e impostos não admira que existam tantos edifícios devolutos espalhados por toda a cidade, e que o preço da habitação esteja incomportável.


Estando prevista a revisão do Simplex do Licenciamento e tendo em conta os preços, sempre galopantes, dos custos da habitação, seria conveniente olhar para o tema das compensações urbanísticas e da taxa de reforço das infraestruturas (TRIU).

Falou-se neste Verão do projecto para os edifícios grafitados da Avenida Fontes Pereira de Melo, que foram notícia pelo chumbo da Câmara Municipal de Lisboa (CML), por causa das compensações urbanísticas. Este exemplo ajuda a enquadrar o tema.

Estas cedências fazem sentido nos casos de operações de loteamento de dimensões relevantes, onde a criação de um número significativo de fogos de ou áreas de serviços/comércio implica a existência de espaços de descompressão e de alguns equipamentos, tendo em conta o aumento de população da envolvente desse loteamento.

O RJUE prevê também que, em caso de impossibilidade ou quando não exista necessidade dessas cedências, os promotores possam compensar o município pela não cedência desses espaços. Foi o que se passou com o famigerado empreendimento referido acima, que se encontra emparedado há décadas.

Neste enquadramento, importa ainda referir que o RJUE impõe as cedências, para além dos casos de loteamentos, em “projectos com impacte relevante, semelhantes a uma operação de loteamento”, dando liberdade às autarquias para definirem quais as operações urbanísticas (licenciamentos de edifícios), que deverão ser equiparadas a loteamentos e, consequentemente, ficarem sujeitos a cedências e/ou compensações.

Estas cedências fazem sentido nos casos de operações de loteamento de dimensões relevantes, onde a criação de um número significativo de fogos de ou áreas de serviços/comércio implica a existência de espaços de descompressão e de alguns equipamentos, tendo em conta o aumento de população da envolvente desse loteamento.

O RJUE prevê também que, em caso de impossibilidade ou quando não exista necessidade dessas cedências, os promotores possam compensar o município pela não cedência desses espaços. Foi o que se passou com o famigerado empreendimento referido acima, que se encontra emparedado há décadas.

Neste enquadramento, importa ainda referir que o RJUE impõe as cedências, para além dos casos de loteamentos, em “projectos com impacte relevante, semelhantes a uma operação de loteamento”, dando liberdade às autarquias para definirem quais as operações urbanísticas (licenciamentos de edifícios), que deverão ser equiparadas a loteamentos e, consequentemente, ficarem sujeitos a cedências e/ou compensações.

A CML, no artigo 6.º do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação (RMUEL), equipara a loteamento as seguintes operações:

“Artigo 6.º – Impacte relevante e ou semelhante a uma operação de loteamento

1 — Consideram-se operações urbanísticas com impacte relevante, para efeitos do n.º 5 do artigo 44.º do RJUE, as obras de construção nova ou as obras de ampliação em edificações existentes, que não tenham sido precedidas de operações de loteamento e de que resulte acréscimo de superfície de pavimento, relativamente à situação legal preexistente, em área não abrangida por operação de loteamento, quando se verifique uma das seguintes situações:

a) 1.800 m2 ou mais de superfície de pavimento, incluindo, no caso das obras de ampliação, a área preexistente e a área ampliada;

b) (Revogado.)

c) Cinco ou mais frações, ou unidades independentes, com acesso direto a partir do espaço exterior à edificação;

d) Sobrecarga das infraestruturas ou dos serviços gerais existentes, designadamente quando implique a criação de novos arruamentos locais e/ou de criação ou reforço das redes gerais de abastecimento de água, de energia elétrica ou de saneamento.

2 — Consideram -se obras com impacte semelhante a loteamento, para efeitos do n.º 5 do artigo 57.º do RJUE, as que tenham por objeto, ou de que resultem, edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si e relativamente às quais se verifiquem cumulativamente todas as situações previstas nas alíneas do número anterior.”

No caso de Lisboa (mas é assim em praticamente todos os concelhos) qualquer edificação numa parcela de terreno completamente infraestruturada (p.e. na Avenida Fontes Pereira de Melo) está sujeita a este imposto encapotado (compensações para projectos com impacte relevante), o qual é ainda acrescido da Taxa de Reforço das Infraestruturas Urbanas.

Ora, numa cidade consolidada como é Lisboa e ainda mais na Avenida Fontes Pereira de Melo, os equipamentos e as zonas verdes já existem, não existindo mais espaço disponível para os promotores cederem qualquer área que seja. Como se percebe, num edifício em meio urbano e consolidado não deveria haver obrigatoriedade de ceder ou compensar qualquer valor para equipamentos ou infraestruturas, uma vez que estas já existem.

No caso do empreendimento da Avenida Fontes Pereira de Melo, uma das compensações em espécie (dinheiro), mas não a única, consistia no financiamento da construção de uma creche em Arroios. Ora, se o empreendimento gera necessidade de cedências, por ter um impacto relevante, a compensação não devia ser em Arroios, mas na envolvente. Além disso, a compensação em espécie não compensa essa eventual carência de equipamentos e áreas verdes. Se o município pensa que o aumento de área de construção, definida em PDM, gera necessidades adicionais nessa zona, então não deveria autorizar esse aumento de área. O que não é correcto é os municípios financiarem-se à custa dos promotores. Esta forma de imposto serve apenas para as câmaras municipais se financiarem e fazerem políticas sociais a expensas dos privados.

Acresce que os valores de cedências ou compensações são na generalidade demasiado elevados, onerando muito o preço final da construção, custo esse que os promotores passam para os clientes, aumentando substancialmente o preço da habitação.

Em relação à Taxa de Reforço das Infraestruturas (TRIU), passa-se mais ou menos o mesmo. Um edifício no centro da cidade, em arruamentos totalmente infraestruturados, não necessita de reforço das infraestruturas, mas essa taxa é cobrada, independentemente da sua necessidade. Usualmente poderá ter de haver reforço da rede eléctrica, mas isso é sempre feito à custa dos promotores, já no que se refere às infraestruturas municipais (águas e esgotos) esse reforço só muito excepcionalmente é necessário e, quando o é, o município obriga os promotores a pagar essas obras (que podem descontar parcialmente no valor da TRIU).

Neste caso, o empreendimento será onerado pela TRIU, que irá, mais uma vez, refletir-se no preço a pagar pelos compradores dos apartamentos.

Estes valores, quer das compensações, quer da TRIU, em nada beneficiarão os moradores da zona, nem os futuros residentes; serão apenas mais uma fonte de receitas dos municípios, que oneram o custo da habitação.

Com tantas taxas e impostos, não admira que existam tantos edifícios devolutos espalhados por toda a cidade e que o preço da habitação esteja incomportável.

Seria bom olhar para este assunto na revisão do Simplex do Licenciamento.


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O imposto encapotado da habitação
Gil Serras Pereira 19 de outubro de 2024
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