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O fim da linha (da frente)

Opinião de Diogo Drummond Borges no Observador

Se tivesse de ser operado de urgência, gostaria que fosse um cirurgião a trabalhar há mais de 24 horas consecutivas? Se entrasse em trabalho de parto, escolheria uma médica que estivesse há mais de 20 horas sem fechar os olhos?

 

O fim, já há muito previsível, do Serviço Nacional de Saúde (SNS) parece, infelizmente, cada vez mais próximo. Agudizado por uma pandemia que nos levou ao limite, que acelerou a degradação de todo um sistema, ficou evidente que não foi feito absolutamente nada para o impedir.

Desde o ano 2000, o Partido Socialista governou durante 13 dos últimos 22 anos. O governo actual encontra-se no poder há sete anos. Não fez qualquer reforma estrutural que melhorasse o SNS. A falta de investimento nas infraestruturas, a constante desvalorização dos profissionais e a falta de resposta do SNS já não podem ser atribuídas ao passado. Até quando vamos culpar governos passados pelos problemas de hoje?

Aquilo a que assistimos hoje é o progressivo desmantelamento do SNS, mesmo apesar dos vários sinais de aviso, já prévios à pandemia. Ora vejamos.

Em 2018, já tínhamos urgências sobrelotadas, com os hospitais a demonstrarem a falta de capacidade de resposta. Em 2019, assistimos a urgências pediátricas encerradas. Os problemas nas maternidades, que hoje dão notícia, também não são novidade. Era a normalidade que se vivia também em 2019 em que não era possível assegurar as urgências obstétricas nos quatro maiores hospitais da capital. Relembro que em nenhum destes anos pode o PS culpar o Covid como é seu apanágio.

 
 

Portugal observou uma mulher grávida percorrer 100 quilómetros para chegar a um hospital. Acabou por perder o bebé num acontecimento digno de terceiro mundo. Esta é a realidade transversal aos diferentes hospitais públicos do país.

Não só os médicos, mas também os enfermeiros e os assistentes operacionais têm vindo a apresentar a hoje famosa escusa de responsabilidade. Os profissionais de saúde continuam a fazer o seu trabalho, com a mesma dedicação de sempre, mas alertam deste modo que as condições em que este é feito não são as melhores para o doente.

Existem em Portugal centros hospitalares em que escalas de Obstetrícia e Ginecologia, assim como de outras especialidades, são garantidas com o menor número possível de médicos. Nestes centros, basta um imprevisto para que se entre imediatamente em plano de contingência. Com esta situação, os médicos internos recusaram fazer mais de 12 horas de urgência seguidas, explicando que é necessária outra solução para salvaguardar os doentes.

Qual a resposta do Estado? Os gabinetes jurídicos têm declarado guerra aos médicos, acusando-os de não quererem trabalhar e ainda tentam a coação de modo a preencher a escala, utilizando na sua resposta um decreto de lei ilegal por já não se encontrar em vigor.

 

Os estudos que associam a exaustão (ou síndrome de burnout) ao aumento de erros são cada vez mais evidentes. Ao contrário de outras profissões de risco, como por exemplo controladores aéreos ou pilotos, a solução das administrações hospitalares passa pela coação dos profissionais, de modo a que façam mais horas de trabalho. Este exercício perigoso desrespeita os profissionais e, fundamentalmente, os doentes que servimos.

Propagam a ideia de que não há médicos suficientes, quando Portugal é o terceiro país da OCDE com maior número de médicos por habitante.

Querem fechar urgências obstétricas em hospitais privados para garantir os blocos obstétricos no SNS. Ou seja, todos os portugueses que fazem um esforço financeiro para ter um seguro de saúde, porque conhecem as condições do SNS, não poderiam usufruir do mesmo devido a mais uma brilhante ideia socialista.

Ainda têm de explicar aos portugueses o motivo pelo qual o SNS precisa de um CEO. Pretende-se apenas proteger um ministro da família socialista dos constantes erros cometidos na gerência do SNS?

 

Parece que ninguém tem a coragem de dizer o que falta ao SNS: investimento. Quando falamos de investimento, falamos de melhorar as infraestruturas. De criar condições para que cada português possa ser tratado com dignidade. E falamos de melhorar as remunerações, algo que parece que temos vergonha de dizer. A “sorte” dos sucessivos governos socialistas é os sindicatos dos médicos serem, provavelmente, os piores sindicatos deste país.

Ao contrário de outros países em que as carreiras médicas e de enfermagem têm sido revistas, Portugal continua a acreditar que os problemas do SNS se resolvem com salvas de palmas, vocação altruísta, dedicação canina e bilhetes para finais de jogos de futebol. Infelizmente, isso não paga a renda da casa que agora aumenta com as taxas de juro, não paga a conta de supermercado, da luz, da água ou do gás que agora aumentam com a inflação.

Cobardes não são os que continuam na linha da frente. Cobardes são os que não têm coragem para alterar o rumo do SNS. Cobardes são os que assistem ao fim da linha da frente e mantêm o mesmo rumo. Cobardes são os que não conseguem garantir os serviços mínimos de saúde para os portugueses.

Pergunto-lhe novamente: se soubesse tudo isto, aceitaria colocar a sua vida nas mãos de profissionais exaustos? Se soubesse tudo isto, aceitaria pôr a sua vida nas mãos do Estado do PS de António Costa?

 

Autor: Diogo Drummond Borges
Data: 23 de Janeiro de 2023
Publicação: Observador
 
O fim da linha (da frente)
Diogo Drummond Borges 22 de janeiro de 2023
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