Menos casas no mercado, menos casas para todos. Mais casas no mercado, mais casas para todos. Parece lógico, mas pelos vistos não é assim tanto para quem propõe certas medidas.
No caminho para estas novas eleições legislativas, um dos temas que tem estado na ordem do dia é, sem dúvida, a habitação. Se por um lado, o problema da habitação é amplamente reconhecido por parte de todas as forças políticas, que se acusam mutuamente sobre o estado a que chegámos, assiste-se, por outro lado, a uma falta de estratégia generalizada e a uma série de propostas mirabolantes e aleatórias que na verdade deixarão tudo praticamente na mesma, se não piorarem.
Entre a descida do IVA da construção como fórmula mágica para resposta ao problema da habitação, tetos máximos às rendas como a receita para o desastre e um desejo sórdido de impedir construção por parte de grupos privados, as diversas forças políticas parecem não ter uma estratégia concreta, sustentada e realista que permita aumentar a oferta, reduzindo os preços da habitação, ao mesmo tempo que se distribui a procura, construindo fora dos grandes centros urbanos e no Interior, com uma estratégia que contemple uma melhor e mais rápida mobilidade e eventuais incentivos à fixação dos cidadãos neste último caso.
Em relação à descida do IVA da construção, é logicamente insuficiente para fazer aumentar a oferta de habitação. É necessário, a par, simplificar processos inerentes ao licenciamento e construção, eliminar taxas e taxinhas, acelerar os prazos que medeiam as fases do processo, repensar urgentemente sobre o modelo de construção em altura, numa fase em que é essencial rentabilizar ao máximo a área de construção.
Para além disto, é essencial proceder, em definitivo, ao mapeamento do número de imóveis do Estado, provendo-se, de seguida, à sua reabilitação, para que seja possível colocá-las novamente no mercado para arrendamento a preços acessíveis.
Aliada a estas alterações, que fariam aumentar a oferta de habitação, temos o crescimento económico. Uma economia a funcionar permitiria um aumento dos salários e, principalmente, do salário médio. Este aumento permitiria às famílias terem mais rendimento disponível para, entre outras despesas, optarem pelo mercado de arrendamento ou pela compra de habitação.
No que respeita aos tetos máximos às rendas, medida essa, aliás, recuperada de 1948 do Estado Novo, a lista de problemas é extensa e óbvia e existe uma única certeza: sempre que foi implementada, fracassou. É conhecido por todos, inclusive por quem propõe uma medida meramente eleitoralista, completamente desfasada da realidade e alicerçada em mero oportunismo da iliteracia financeira da generalidade da população.
Mas, vejamos os problemas mais óbvios. Se por um lado esta restrição de preços máximos ao arrendamento abriria, de forma ilusória, as possibilidades de arrendamento para famílias com rendimentos mais baixos, por via da restrição dos preços máximos, a realidade seria diametralmente oposta.
Em primeiro lugar, os proprietários que têm as suas casas no mercado de arrendamento com preços abaixo da média, veja-se o exemplo das rendas congeladas, procederiam a um aumento dessas mesmas rendas para o teto máximo de renda, permitindo-lhes um aumento dos seus rendimentos, prejudicando as famílias com menos rendimentos, o que parece ser o oposto do racional desta proposta. Em segundo lugar, aqueles que têm as suas casas no mercado de arrendamento com preços acima desse teto máximo, procederiam de imediato à retirada das suas casas deste mercado, vendendo-as ou deixando-as simplesmente vazias, arrasando a lógica de abertura de possibilidades de arrendamento e fazendo descer, ainda mais, a oferta. Menos casas no mercado, menos casas para todos. Mais casas no mercado, mais casas para todos. Parece lógico, mas pelos vistos não é assim tanto para quem propõe esta medida.
Mas, curiosamente, as mesmas forças políticas que defendem tetos máximos às rendas, impedindo o funcionamento do mercado de arrendamento e impondo aos proprietários o valor das suas casas, agravando ainda mais o problema, defendem que como uma eventual descida do IVA da construção beneficiaria também os grandes grupos privados, é preferível que não se desça o IVA, não se beneficiando ninguém, inclusive aqueles que pretendem construir habitação para as classes baixa e média, ou mesmo construção de habitação própria. Na realidade, a mesma lógica que aplicam quanto à descida de impostos sobre o trabalho: se beneficia aqueles com mais rendimentos, é melhor que não beneficie ninguém. No fundo, a lógica de mediocridade a que Portugal está habituado.
No meio de propostas surreais e de mãos cheias de absolutamente nada para resolver uma crise sem precedentes, deparamo-nos com a abertura de um concurso público para Construção de Alojamento para a Comunidade de Etnia Cigana por parte do Município de Amarante, também em ano de eleições autárquicas. Se este concurso público poderia ser uma boa oportunidade para demonstrar o caminho que tem de ser feito para resolver a crise de habitação, a verdade é que os problemas inerentes a este concurso público são amplos, de diferente índole, e bem demonstrativos do desnorte nas políticas de habitação, seja local ou central. É, no fundo, mais uma oportunidade perdida e bastaria que este concurso público se reportasse apenas a Construção de Alojamento, sem qualquer discriminação, para que não se colocasse qualquer problema.
Desde logo, este concurso não resolverá absolutamente nada, seja em Amarante ou em qualquer outro sítio. Mas mais, trará consigo uma lógica de guetização de uma comunidade já por si segregada, pela sua falta de vontade de integração e por uma absoluta incapacidade por parte dos nossos governantes em integrá-la. Não se compreende que perante uma crise de habitação sem precedentes os nossos representantes estejam preocupados em construir para uma comunidade específica ao invés de simplesmente construir. Mais habitação? Para ontem! Guetização da Habitação? Não obrigada.
Gostava genuinamente de saber o que vão estes representantes dizer aos jovens portugueses que emigram todos os dias para países europeus onde a compra de habitação é mais acessível, começando na oferta e terminando num equilíbrio dos preços de habitação em relação ao salário médio, àqueles que ainda vivem em casa dos pais e constroem diariamente a sua poupança, sem desistirem do seu país, ou até a um casal que quer constituir família e, para tal, precisa de uma habitação cujos rendimentos possam suportar.
Como se já não fosse suficientemente mau, a abertura deste concurso público não contém qualquer fundamentação ou justificação lógica para esta discriminação, abrindo um precedente óbvio na construção de habitação para qualquer outra categoria suspeita, o que coloca um problema sério do ponto de vista jurídico, dado que constitui uma violação clara do n.º 2, do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, que prevê as chamadas categorias suspeitas, identificadas como tipos de diferenciação tão repetidamente verificados, que são facilmente identificados como discriminações repudiáveis à luz dos princípios do Estado de Direito, presumindo-se, à partida, como arbitrárias ou injustificadas. Em suma, esta proposta suscita sérias dúvidas da sua conformidade constitucional. Imagine-se um caso de uma jovem, ou não jovem, residente no Município de Amarante que não seja de etnia cigana. Parece-me bastante concebível alegar com sucesso uma violação do princípio da igualdade e do seu direito à habitação, ao abrigo deste preceito.
Discriminações à parte, parece-me que está na hora, para não dizer que já passou, de se definir com clareza uma estratégia séria para o problema da habitação, expurgada de preconceitos ideológicos, que permitam aumentar a oferta, ao mesmo tempo que se distribui a procura, para que o tema da habitação não seja um calvário para jovens e menos jovens.