Skip to Content

É essencial poder confiar nas instituições

Opinião de Manuel J. Guerreiro no Jornal O DIABO
No meio da actividade político-partidária tendo como pano de fundo as eleições legislativas antecipadas do próximo dia 10 de Março, bem como da realização das eleições regionais nos Açores, creio não se estar a dar a atenção devida ao “caso da Madeira” – o judicial, em sede de inquérito e em investigação pelo Ministério Público (MP) – e à crise política consequentemente despoletada, cuja solução poderá passar pela dissolução da Assembleia Legislativa Regional, por decisão do Presidente da República, assim que esse poder constitucional seja restabelecido, decorridos seis meses após a sua eleição. O “caso da Madeira” é mais um exemplo do estado preocupante em que o país se encontra. E é particularmente grave, na medida em que, uma vez mais, se comprova serem as próprias instituições democráticas que estão aqui em causa. Quer no que diz respeito ao seu normal funcionamento, quer em relação à credibilidade dos seus titulares e agentes. E note-se que uma tal baixa credibilidade não se extingue nos titulares de cargos políticos, ou seja, dos que desempenham funções executivas em resultado da escolha livre que os cidadãos eleitores fazem em cada momento, através de eleições democráticas. Nem sequer daqueles que, por decisão destes, são nomeados para desempenhar funções políticas sectoriais na imensa e complexa estrutura do poder – seja ao nível governativo, nos departamentos ministeriais, nas direcções-gerais da administração pública, seja no poder local, nos municípios, nas direcções e departamentos municipais ou nas freguesias –, mas também dos demais titulares de outros cargos públicos, não políticos, em órgão de soberania e respectivas instituições absolutamente fundamentais a um Estado de direito democrático. Refiro-me, evidentemente, ao poder jurisdicional exercido pelos tribunais enquanto órgão de soberania, nos termos da Constituição da República Portuguesa, com competência para administrar a Justiça em nome do povo. Todos sabemos que é, principalmente, no poder político que residem os maiores perigos quanto à salvaguarda do superior interesse público, designadamente pela forma como os cargos são exercidos pelos respectivos titulares, mormente em funções políticas executivas que implicam “mexer” nos diversos orçamentos em causa, que exigem tomadas de decisão e, portanto, escolhas – desde logo quanto às políticas públicas a adoptar, às medidas concretas a aplicar, aos diversos contratos a celebrar com os parceiros e os fornecedores a quem adjudicar, como também às várias concessões a atribuir – que são inequivocamente susceptíveis de poderem constituir más decisões, provocar prejuízos ao erário público, promover benefícios para terceiros e, eventualmente, para si próprios enquanto decisores políticos. Como ainda praticar abusos de poder, violar regras e normas da administração na sua relação com os particulares e, no limite, incorrer na prática de ilícitos criminais, como seja a corrupção entre outros crimes previstos e punidos pela lei penal. Porém, esse não é um exclusivo do poder político. Infelizmente, nos últimos anos, Portugal foi assolado por uma onda de más práticas com incidência penal também na própria Justiça. Envolvendo magistrados judiciais e do MP, em alguns casos conhecidos, acusados de aplicarem decisões judiciais encomendadas, i.e., sentenças favoráveis num determinado sentido em função de uma correspondente contrapartida pecuniária. Por lado diverso, tem também o Ministério Público vindo a exercer, reiteradamente, a sua função constitucional de titular da acção penal – nomeadamente no que diz respeito ao combate à criminalidade económica e financeira organizada, com destaque para o crime de corrupção envolvendo titulares de altos cargos políticos e administrativos – com recurso a grandes aparatos e forte impacto mediático, principalmente quanto à detenção dos suspeitos da prática dos factos investigados, o que, a meu ver, nem sempre cumpre escrupulosamente o princípio da legalidade que deve orientar a sua acção em defesa da legalidade democrática. Estas são, pois, matérias de Justiça que têm de ser tratadas com rigor e determinação na próxima legislatura, depois de aberto o novo ciclo político governativo no país, mas numa perspectiva geral e abstracta, sem nunca se cair na tentação de actuar em resposta directa a casos concretos e determinados. Se por um lado é absolutamente imperioso dar todas as condições necessárias ao Ministério Público para que possa exercer convenientemente a sua função de representar o Estado e defender os interesses que a lei determina, bem como garantir todos os meios de investigação imprescindíveis à Polícia Judiciária enquanto principal órgão de polícia criminal que coadjuva o MP, não é possível, por outro, que o Estado português possa violar de forma continuada direitos, liberdades e garantias consagradas na Lei Fundamental, numa espécie de normalização dessa mesma ilegalidade. Como disso é exemplo os inaceitáveis 21 dias de detenção a que foram sujeitos os arguidos suspeitos no mencionado “caso da Madeira”, tendo, afinal – e perante toda uma inquietante normalidade – não lhes sido aplicada nenhuma medida de coacção restritiva da liberdade. Pelo que, se conclui, aquela detenção, prolongada por 21 dias, foi totalmente desnecessária, desproporcional e, por conseguinte, ilegal. No ano em que o país comemora os 50 anos sobre o 25 de Abril de 1974, que pôs fim a um regime decrépito e com instituições desacreditadas e sem futuro, é essencial voltarmos a poder confiar nas instituições da nossa democracia. É fundamental a qualquer Estado de direito que as suas instituições democráticas funcionem plenamente. Nada existe de pior para um regime democrático do que a desconfiança instalada em quem nos administra. Os cidadãos precisam de sentir confiança. Confiança na democracia representativa e pluralista. Confiança na Presidência da República. Confiança na Assembleia da República. Confiança no Governo, nas Regiões Autónomas, nas Autarquias Locais. Enfim, confiança entre eleitores e eleitos. Mas os portugueses precisam também de poder confiar cegamente na Justiça em Portugal. Precisam de sentir que caso precisem de a ela recorrer, nunca serão tratados de forma diferenciada e negligente pelos tribunais. As pessoas precisam também de poder confiar na administração pública, em todos os seus departamentos com os quais se relacionam, sendo urgente restabelecer a confiança entre administrados e administração. Como está bem de ver, a confiança é, talvez, o activo mais importante que o próximo poder político legislativo e executivo que emerja no dia seguinte às eleições de 10 de Março terá para trabalhar e se dedicar de forma séria e competente.

Publicado no Jornal O DIABO
É essencial poder confiar nas instituições
Manuel J. Guerreiro 28 de fevereiro de 2024
Partilhar este artigo
Etiquetas
Arquivo