Skip to Content

Crónica de uma campanha anunciada

Opinião de Manuel J. Guerreiro no Jornal O DIABO

É praticamente unânime no comentário e análise política, difundidos por todos os órgãos de comunicação social que a campanha eleitoral para as eleições do próximo domingo, dia 9 de Junho, que irão eleger os 21 deputados portugueses ao Parlamento Europeu — com excepção da candidatura da Iniciativa Liberal, liderada por João Cotrim de Figueiredo — tem sido globalmente fraca no que à eficácia da passagem da mensagem política e capacidade de galvanização popular diz respeito.

É caso para dizer, com agrado, que finalmente estou de acordo com a corrente, esmagadoramente maioritária, de comentadores e jornalistas no que concerne à regra identificada e, sobretudo, à excepção reconhecida nesta campanha para as eleições europeias.

A jornada tem sido, de facto, francamente boa para João Cotrim de Figueiredo e Iniciativa Liberal. Aliás, tem vindo sempre em claro crescendo desde o seu início com os debates televisivos. Tendo agora, nesta fase de campanha propriamente dita, de contacto directo com a população nas ruas, um pouco por todo o país, vindo a ganhar um forte relevo, sem, contudo — e esta é a principal razão para o reconhecimento público que tem merecido — perder a racionalidade e a coerência do discurso político, nem ceder à demagogia fácil ou à intromissão inadvertida das diversas agendas internas, muitas das quais sem qualquer interesse nem utilidade para ninguém.

Ora, a postura assumida por Cotrim de Figueiredo — assente na honestidade intelectual e na seriedade das propostas apresentadas e que têm norteado a estratégia liberal neste sufrágio para o Parlamento Europeu — contrasta, gritantemente, com as restantes candidaturas dos demais partidos e coligações em confronto. Dos maiores aos mais pequenos, todos convergem na opção errada em promover desinteligências, através da discussão das minudências da política de trazer por casa.

Veja-se, a título de exemplo, a birra infantil do candidato Sebastião Bugalho, cabeça de lista da AD, ao ter insistido surfar na sua própria maionese, onde durante dias permaneceu, tentando “dropar” a onda que não se formou com o pedido de desculpas que publicamente exigiu pelo oportunístico reparo da candidata Marta Temido, cabeça de lista do PS, que, no calor daquele que foi o último e único debate televisivo (RTP), com todos os 8 partidos e coligações com representação parlamentar nacional, o acusou de “grande imaturidade” por ter classificado a visita que, naquele mesmo dia, o Presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky fez ao nosso país, como “um dia de festa para a democracia portuguesa”.

Já no PS, a participação do líder do partido nesta campanha eleitoral, a meu ver, caracteriza-se, essencialmente, por uma extraordinária oportunidade perdida por Pedro Nuno Santos para ter desaparecido com a família rumo a umas férias inadiáveis numa ilha paradisíaca qualquer e assim ter, justamente, sido útil à consecução plena de todos os objectivos a que o seu partido se propôs com esta candidatura.

Pois, como está bem de ver, sempre teria evitado fazer comentários trogloditas, ademais sobre política interna, como aquele em que sugeriu que o Governo teria contratado uma empresa privada de consultoria para elaborar o Plano de Emergência para a Saúde — lançando graves suspeitas quer em relação à forma como a mesma terá sido contratada, quer em relação à eventual informação do Serviço Nacional de Saúde a que terá tido acesso, acusando o Governo de Luís Montenegro de “aparentemente estar a destruir o SNS com a colaboração de uma empresa privada na elaboração do programa” —, quando, afinal, aquela mesmíssima consultora privada que publicamente classificou de especialista em destruição de serviços públicos, celebrou não 1, nem 2, nem 10, nem 20, tampouco 30 ou sequer 40, mas sim 55 contratos públicos com os três Governos socialistas de António Costa. Muitos dos quais, com o Ministério da Saúde, então liderado pela euro-candidata Marta Temido. E quem é que também fazia parte desses executivos? Quem era? Pedro Nuno Santos, pois claro!

Bem, sobre a candidatura do Chega não há muito a dizer porque na verdade não há candidatura nenhuma. Há apenas um velho boneco que o tempo se encarregou de consumir e, sem perdão, transformar em mera lembrança duma carreira de quatro décadas de actividade diplomática como cônsul-geral e como embaixador de Portugal em vários países, com uma breve participação política no CDS e no Governo da AD original, em 1980, como adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros. Em vez de estar a gozar a sua ultra-dourada reforma — privilégio só para alguns, porém, sustentado pelos impostos de todos e com o sacrifício de muitos —, jogando xadrez para exercitar a memória e evitar a demência, optou por integrar o partido do Dr. Ventura que, aliás, não sendo candidato nesta eleição tem assumido os custos da campanha eleitoral pela escolha que entendeu fazer para liderar a lista do seu partido. Desempenhando, ele próprio, a tarefa do candidato figurando de forma eticamente fraudulenta ao lado deste nos respectivos outdoors espalhados por todo o país.

Da CDU com João Oliveira e, particularmente, do BE que conta como candidata a sua anterior líder Catarina Martins, sinceramente, esperava muito mais. Quer dizer, politicamente, não espero daqui coisa absolutamente nenhuma. Não é disso que se trata. Refiro-me apenas à fraquíssima consistência formal demonstrada quer nos debates quer agora na campanha de rua que, convenhamos, não se coaduna com a vasta experiência que ambos têm relativamente a campanhas eleitorais. Sublinhando, uma vez mais, o caso particular da candidatura do Bloco de Esquerda, não sendo possível dissociar o facto deste partido ter eleito, num passado não muito distante, 21 deputados à Assembleia da República, precisamente sob a liderança da actual candidata que encabeça esta lista ao Parlamento Europeu.

Relativamente ao Livre e ao PAN, durante a campanha, confirmaram-se as fragilidades das lideranças das suas respectivas candidaturas. Aquilo que “ab initio” alguma comunicação social veiculou — como sabemos, por pura simpatia e afinidade ideológica de alguns comentadores e redacções — quanto à surpresa destes dois candidatos nomeadamente nas prestações que tiveram nos debates televisivos, evaporou-se com a mesma rapidez de uma panela de água a ferver sem se lhe acrescentar os vegetais para confeccionar uma sopa de legumes. A evaporação política verificada em cada uma destas duas candidaturas explica-se, exactamente, da mesma forma e pela mesma razão usadas na comparação da evaporação da água a ferver na panela da sopa, i.e., não acrescentaram os vegetais.

Enfim, se tudo isto que acabo de explanar será ou não suficiente para fazer baralhar o sistema eleitoral, numas eleições que tradicionalmente não têm grande procura, mas que, desta vez, em 2024, espelham a modernidade possível ao permitirem votar, pela primeira vez no nosso actual regime democrático, em qualquer mesa de qualquer assembleia de voto, em todo o território nacional, pois é algo que só iremos saber no domingo à noite.


Publicado no Jornal O DIABO

Crónica de uma campanha anunciada
Manuel J. Guerreiro 5 de junho de 2024
Partilhar este artigo
Arquivo