Moedas é um adversário difícil - apesar do ruído nota-se que a cidade gosta dele. Pelo menos tolera-o mais que à coligação negativa (PS-Chega). Faltam alguns meses, mas o cenário não é favorável ao PS
O reputado jornalista e comentador Daniel Oliveira afirmou, em artigo no último Expresso, que o Partido Socialista tem uma tarefa complicadíssima de retirar Lisboa a Carlos Moedas. Tal dificuldade deve-se à onda de gentrificação fortemente apoiada pelo executivo camarário. Segundo o próprio colunista, Moedas e companhia têm como objetivo afastar a classe trabalhadora para lá dos limites do concelho.
Horas depois, foi apurado que Alexandra Leitão será a grande aposta do PS para a capital portuguesa em 2025. O grande público viu a escolha da deputada como uma precoce desistência à corrida. Ou seja, podemos concluir que Daniel Oliveira afinal estava certo. Vamos ver que pelos motivos errados.
Em primeiro lugar, o colunista cita um artigo do próprio onde afirma que as Avenidas Novas têm o metro quadrado mais caro do país. Comete aí o primeiro erro, pois Avenidas Novas nem sequer é a freguesia mais cara de Lisboa. A malfadada lista é liderada por Santo António. Certo é que um bairro e uma freguesia não são o mesmo, mas os preços do metro quadrado num espaço (freguesia) são influenciados pelos preços dos subespaços (bairros). Logo, o local habitacional português mais caro será, porventura, o Príncipe Real, pertencente a Santo António.
Outro local que o comentador lisboeta considera como demasiado dispendioso é o Restelo. Ora, o Restelo faz parte da freguesia de Belém, que não consta sequer das cinco mais valiosas de Lisboa. Concretamente, está em nono na lista. Quem conhece bem a freguesia, sabe que o Restelo ocupa a sua maior parte. Fosse realmente o segundo bairro mais custoso do país e teria uma influência bem maior no custo habitacional da freguesia.
Daniel Oliveira pega nestes dois exemplos e salta para uma conclusão com pouco sentido: na sua opinião, a forte presença da direita nestas zonas gentrificadas torna impossível à esquerda de voltar a vencer eleições em Lisboa. Vamos tomar estes três exemplos supracitados (Avenidas Novas, Belém e Santo António) e ainda acrescentar-lhe outro, a Estrela, bastião do PPD/PSD desde que estamos em democracia.
Vamos recorrer às legislativas como termo de comparação. Primeiro, porque sabemos que a abstenção foi menor. Segundo, entre as duas últimas autárquicas fomos atingidos por uma pandemia, que baralhou quaisquer dados que possamos utilizar. Relembro que entre 2020 e 2021 a gentrificação estagnou, os turistas desapareceram e moratórias foram aplicadas pelos devedores de crédito à habitação.
Em março de 2024, dos mais de 300 mil cidadãos que votaram em Lisboa, apenas 13.4% faziam parte destas quatro freguesias. Qualquer uma das mencionadas tem uma demografia bem longínqua das quatro maiores: Benfica, São Domingos de Benfica, Lumiar e Marvila são muito mais representativas e decisivas.
Por outro lado, o Livre teve um excelente resultado nestas ditas freguesias mais “ricas” da cidade. Daniel Oliveira conta com eles para uma coligação de esquerda extra-PCP, mas esquece-se do “bigode” que deram à Iniciativa Liberal, conquistando-lhes votos onde estes eram mais fortes, custando aos liberais um deputado pelo círculo eleitoral do distrito.
Mais tarde, no mesmo artigo, o comentador refere, e bem, o êxodo de eleitorado para os subúrbios. Conota a moldura que se afastou como a “classe trabalhadora”, insinuando que leva os votos à esquerda consigo. Porém, o que temos visto nos subúrbios é um autêntico arraso ao espaço socialista. O PS perdeu dez a quinze pontos percentuais, de 2022 para 2024, em cada um dos concelhos que rondam Lisboa. O PCP perdeu dois a quatro pontos. O BE aumentou décimas e o Livre foi o único que conseguiu capitalizar, ainda que pouco. Nas eleições Europeias ocorreu o mesmo “fenómeno”, mostrando que as legislativas não foram caso pontual.
Podemos argumentar se a candidata escolhida pelo PS é melhor ou pior. Porém, o acentuar do declínio socialista em Lisboa prende-se com o envelhecimento do eleitorado do Partido Socialista e com o crescimento do Chega. O partido de André Ventura é hoje o grande agregador das classes trabalhadoras insatisfeitas. A direita moderada, de repente, é vista pelos portugueses como o mediador entre a esquerda e a direita populista. Mais complicado ainda fica para Pedro Nuno Santos ou Alexandra Leitão. Moedas é também um adversário difícil — apesar do ruído nota-se que a cidade gosta dele. Pelo menos tolera-o mais que à coligação negativa (PS-Chega) que pode ou não suceder-lhe. Faltam alguns meses, mas o cenário não é favorável.
Fontes:
https://www.eleicoes.mai.gov.pt/legislativas2022/resultados/globais
https://www.eleicoes.mai.gov.pt/europeias2024/resultados/globais
https://www.eleicoes.mai.gov.pt/legislativas2024/resultados/globais
https://www.idealista.pt/media/relatorios-preco-habitacao/venda/lisboa/lisboa/
https://www.cne.pt/sites/default/files/dl/freguesias_lisboa_-_novas_e_antigas-3av.pdf
https://expresso.pt/opiniao/2023-04-17-Moedas-e-o-seu-projeto-de-classe-para-Lisboa-d37e17fd