O modelo da Segurança Social deveria estar protegido do populismo de esquerda ou direita.
“(Apesar do Governo) As pensões vão aumentar por causa do PS”, dizem vários cartazes gigantes que o PS colocou no espaço público logo a seguir à aprovação do orçamento de Estado pela Assembleia da República e que ainda estão por aí espalhados.
Podemos dizer que Montenegro provou do seu próprio veneno: durante a campanha eleitoral entrou numa competição com o Chega para ver quem dava mais aos pensionistas. Não interessava se o atual modelo de Segurança Social é ou não sustentável, se é justo os futuros pensionistas irem receber menos de metade do que recebem os mais antigos de hoje (em termos de percentagem do último salário, aquilo a que se chama “taxa de substituição”), ou se é justo aumentar pensões a quem nunca descontou um cêntimo, ou um centavo, para a Segurança Social. Nada disso interessava. O que interessava era a convicção de que só se ganha eleições com os pensionistas (o que talvez até não seja inteiramente verdade, já que Passos Coelho ganhou as eleições mesmo depois de ter sido obrigado a cortar pensões.)
Agora vem o Tribunal de Contas alertar para falhas graves na avaliação da sustentabilidade da Segurança Social: os últimos governos recorreram a um modelo inadequado para avaliar a sustentabilidade do sistema, houve falhas de transparência das projeções e foram omitidos dados relevantes, refere uma auditoria publicada em 22 de janeiro.
A conclusão que tiro é a de que as promessas de aumentos de pensões deviam estar, em absoluto, ausentes das lutas eleitorais legislativas. O modelo da Segurança Social deveria estar protegido do populismo de esquerda ou direita. Dito de outra forma, deve ser afastada a possibilidade de aprovação de alterações estruturais ao sistema de Segurança Social através da Lei do Orçamento – e o aumento extraordinário de pensões é uma alteração estrutural, já que implica um aumento de despesa que se vai manter durante décadas e coloca em causa o modelo, pelo vistos errado, de suposta sustentabilidade do sistema.
O sistema de Segurança Social deveria estar expresso numa lei reforçada, o que significaria, na prática, que seria necessária uma maioria qualificada de dois terços da Assembleia da República para realizar qualquer alteração ao modelo de pensões. Os partidos deixariam de poder fazer um leilão de pensões para tentar ganhar os votos dos pensionistas, já que deixaria de ser suficiente uma maioria parlamentar simples para aprovar um aumento extraordinário. Traduzido por números, seriam necessários 154 votos em vez dos meros 116 atuais. Uma maioria mais alargada implicaria necessariamente um mais amplo assentimento da sociedade, indiretamente expresso no voto dos deputados, em relação a reformas estruturais. Mas, sobretudo, teríamos o privilégio de acabar com a competição da caça ao voto dos reformados
Por vezes – e esta é uma frase menos simpática que me arrisco a avançar – é preciso proteger o povo de si próprio; ou, se quisermos ser menos agrestes, é preciso proteger o povo do aproveitamento que os políticos fazem dos egoísmos individuais, quando esses indivíduos constituem uma grande parte do eleitorado. Por isso é que existem constituições – que garantem uma estabilidade independente do populismo das lutas eleitorais; pela mesma razão, a constituição portuguesa prevê também leis reforçadas. Não se retira poder ao povo; exige-se é uma maior parcimónia no uso desse poder quando toca a questões que colocam em causa a estabilidade social a médio ou longo prazo.
O jurista e filósofo político italiano Norberto Bobbio resume bem o problema: “o conflito de classes [próprio de uma sociedade pluralista] é multiplicado por inúmeras quezílias corporativas; torna-se impossível satisfazer um interesse sem prejudicar outro, e isto leva a uma cadeia infindável de agressividade.”