O problema desta alteração ao RJIGT é precisamente o contrário do que se apregoa, é não ser uma verdadeira alteração à Lei dos Solos.
Começo por deixar claro que, infelizmente, não houve nenhuma alteração à Lei dos Solos, mas sim ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, vulgarmente conhecido por RJIGT.
No entanto e apesar disso, os jornalistas, os comentadores, os políticos e até os ambientalistas e os especialistas em planeamento e ordenamento do território, falam da alteração à Lei dos Solos e dos cataclismos que lá vêm por se liberalizar, muito ligeiramente e muito condicionadamente, a expansão de áreas urbanas para a construção de habitação a preços moderados.
Têm-se dito os maiores disparates sobre a suposta alteração ao Lei dos Solos, que se vai poder construir nas reservas agrícolas e ecológicas, nas linhas de água, nas áreas protegidas, parece que o mundo vai acabar, porque de um dia para o outro todos os solos rurais confinantes com solos urbanos vão ser densamente construídos e a natureza vai desaparecer. Há até quem chegue ao absurdo de dizer, que a expansão das áreas urbanas vai fazer subir o preço da habitação! Tudo isto dito por jornalistas e supostos especialistas que parecem nem perceber que a actual Lei dos Solos não foi mexida.
Em relação a tudo o que tem sido dito, importa salientar que a alteração ao RJIGT é bem clara referindo que as “áreas integradas no Sistema Nacional de Áreas Classificadas” não são abrangidas por esta alteração, bem como as “zonas de perigosidade de estabelecimentos abrangidos pelo regime de prevenção de acidentes graves”, “áreas abrangidas por programas especiais da orla costeira, albufeiras de águas públicas e estuários”, “áreas de risco potencial significativo de inundações” e “aproveitamentos agrícolas”.
A ampliação do solo urbano é também interdita para as Reserva Ecológica Nacional (REN) e para a Agrícola Nacional (RAN).
Em relação à REN, o diploma não refere as áreas estratégicas de infiltração e de protecção e recarga de aquíferos, áreas de elevado risco de erosão do solo e áreas de instabilidade de vertentes, pelo que poderão ser ocupadas, mas como se percebe ninguém quer construir habitação em encostas com declives superiores a 25% ou em zonas de instabilidade de vertentes, muito menos quando se trata de habitação a preços moderados onde tem de haver uma grande contenção de custos das obras.
Apenas as áreas estratégicas de infiltração e de protecção e recarga de aquíferos, poderão destinar-se à expansão urbana, mas a impermeabilização desses solos não vai impedir a recarga dos aquíferos, se as águas pluviais forem encaminhadas para as linhas de água, como é usual fazer-se em quaisquer urbanizações.
Em relação à RAN a alteração ao RJIGT protege os solos das A1, A ou B (áreas com aptidão muito elevada ou elevada para o uso agrícola), deixando os solos classificados em C, Ch, D e E, (com menos aptidão para o usos agrícolas), livres para serem eventualmente ocupados com habitação.
Outro dos ataques à suposta alteração à Lei dos Solos, é a de que o planeamento do solo urbano pode ser feito pelos municípios sem a interferência das entidades públicas (ICN, DGT, ANPC, DGADR, IP, TP, etc). Na verdade, a Lei dos Solos (e não o RJIGT) diz claramente que os Planos Municipais de Ordenamento do Territórios (PMOT), são da responsabilidade dos municípios, tendo em conta os Programas de nível nacional. Acresce que é precisamente a intervenção dos organismos públicos nos processos de planeamento, que tiram a flexibilidade e a rapidez necessárias em momentos como este de enorme escassez de áreas urbanas e de preços elevados, por falta de oferta de habitação.
Há quem ache que os municípios são crianças mal comportadas, que não sabem gerir o seu território com juízo e que, por isso, têm de ser acompanhadas em tudo o que fazem pelos seus paizinhos, as entidades públicas.
O problema desta alteração ao RJIGT é precisamente o contrário do que se apregoa, é não ser uma verdadeira alteração à Lei dos Solos, que volte a permitir aos municípios fazerem planeamento urbano com recurso a áreas urbanizáveis, que aumentem a oferta de solo urbano para os períodos de escassez como o que vivemos actualmente. De facto, à luz da Lei actual a alteração de solo rústico para urbano é excepcionalíssima e demora tempos infindos, pelo que urge mudar.
Como já escrevi anteriormente, a inexistência de áreas urbanizáveis é antagónica a um correcto ordenamento e planeamento urbano, cerceando as possibilidades de criação de novas centralidades, polaridades e actividades/usos adaptadas às necessidades das populações ou a investimentos considerados estratégicos pelos municípios. Os perímetros urbanos devem ter a flexibilidade suficiente para poderem acolher investimentos, públicos e privados, de interesse municipal ou nacional, sem que para isso tenham de recorrer a estratagemas, que a presente alteração ao RJIGT vem permitir, ou aos instrumentos de gestão territorial, nomeadamente Planos de Pormenor, que implicam prazos muito longos, por vezes incompatíveis com os objectivos dos promotores, das autarquias ou do próprio Estado.
A definição e delimitação dos solos urbanizáveis planeada criteriosamente e bem fundamentada permite ter respostas atempadas para as solicitações que aparecem ciclicamente.
Assim, deverá ser feita uma verdadeira alteração à Lei dos Solos (ou o retorno à legislação anterior – Lei nº 48/98 de 11 de Agosto), que permitirá a existência de solos urbanizáveis, possibilitando a criação de bolsas de terrenos, em continuidade com as áreas urbanas, que respondam eficazmente a uma oferta de solos para a edificação, equilibrando o valor do solo urbano.