Quando o primeiro-ministro referiu a montenegrização da política portuguesa, o que me veio à mente foi nome do país nos Balcãs, não o apelido do chefe de governo. Há graças que tapam desgraças.
Depois de chumbadas duas moções de censuras, o primeiro-ministro não descansou enquanto o seu governo não caiu. A moção de confiança que submeteu ao Parlamento teve como intuito o derrube do executivo e a convocação de eleições. Quando a Iniciativa Liberal votou a favor da moção de confiança não o fez por confiar no governo, mas nas instituições. Mais: fê-lo por entender que as eleições não servem para legitimar um comportamento (de cariz não político) de um primeiro-ministro. Mais ainda: porque os governos não podem cair apenas porque e quando há denúncias ou suspeitas sobre um primeiro-ministro. Para isso existem o Ministério Público, os tribunais, o Parlamento, a comunicação social e a opinião pública.
As denúncias anónimas relativas à compra de dois imóveis por Pedro Nuno Santos e sua mulher vêm dar à razão a este ponto. Na situação em que nos encontramos, quer ganhe a AD ou o PS, não temos qualquer garantia que o próximo governo não volte a cair com base em denúncias anónimas, suspeitas nebulosas e a tentação de ir a votos para passar um pano por cima do que deve ser cabalmente esclarecido pelas instâncias próprias. Numa democracia, o povo não julga da licitude ou ilicitude dos actos de um governante, mas o valor político da sua governação. Distorcer esta realidade é desvirtuar a democracia representativa e é meio caminho andado para passarmos a uma democracia popular. Montenegro é também um nome de um país nos Balcãs. Por curiosidade, quando ouvi o primeiro-ministro referir a montenegrização da política portuguesa o que me veio à mente foi aquele país. Não o apelido do chefe de governo. Há graças que tapam desgraças.
Outro aspecto essencial no debate político dos últimos dias é a tentativa de equiparar o programa da Iniciativa Liberal ao radicalismo do PCP e do BE. Ser liberal seria o equivalente a ser comunista. Compreendo que, entre o PS e o PSD, se facilitem estas confusões na expectativa de se ganharem alguns votos. É uma táctica de vistas curtas e que explica, em grande parte, o estado em que o país se encontra. A médio e longo prazo, os efeitos são nefastos e deixa no ar a ideia que socialistas e sociais-democratas pouco aprenderam com o fenómeno populista do CH.
Um exemplo dessa acusação de radicalismo diz respeito ao programa liberal para a saúde. Sejamos claros, o programa visa que todos tenham acesso à saúde. Que todos possam ir a qualquer hospital, centro de saúde ou clínica, sejam estes um estabelecimento público, privado ou de cariz associativo. Que qualquer pessoa poderá ir aos hospitais privados nas mesmas condições em que vai aos públicos. O que interessa não é quem presta o serviço, mas que todos sejam atendidos a tempo e horas e de forma devida. Trata-se de um plano semelhante aos que existem em alguns países europeus como a Alemanha. Dizer o contrário é má-fé ou ignorância de quem não se dá ao trabalho de ler o programa liberal ou, pior, de quem o lê, compreende o que lá está escrito, mas percebe que dá demasiado trabalho adaptar o seu discurso. É muito mais fácil mandar uma larachas e atear fogos. Se há crítica que pode ser feita ao programa liberal para a saúde é o seu custo. Mas é curioso que não haja um político de outro partido, um comentador, um jornalista que não tenha referido este facto.
Compreendo que em eleições o rigor se perca. Há sempre uma margem para a névoa que se cria para se obterem certos efeitos. Apesar de tudo, há mínimos que devemos exigir: um é o respeito pela democracia representativa que está em risco de ser desvirtuada por uma conveniência imediata; o outro é que se discuta o que os partidos verdadeiramente propõem e não fantasias. É o mínimo dos mínimos.
P.S: Sou cabeça-de-lista da Iniciativa Liberal pelo distrito de Leiria. As próximas semanas serão intensas e em campanha. Esta é a minha última crónica até ao meu regresso depois do dia 18 de Maio.
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Foto: Agência Lusa, CC BY 3.0 via Wikimedia Commons